Há quem defenda que nos dias de hoje Deus tem
levantado uma geração apostólica, restaurando “ministérios perdidos” durante
séculos através de novos apóstolos, supostamente com os mesmos poderes (e até
maiores) que os escolhidos por Jesus na igreja primitiva. Muitos deles chegam a
declarar novas revelações extrabíblicas, curas e milagres extraordinários,
liberando palavras proféticas e unções especiais, vindas diretamente do “trono
de Deus” para a Igreja. Seus seguidores constantemente ouvem o termo “decretos
apostólicos”, dos quais afirmam que uma vez proclamados por um apóstolo, há de
se cumprir fielmente a palavra profética, pois o apóstolo é a autoridade máxima
da igreja, constituído diretamente por Deus com uma unção especial diferenciada
dos demais membros.
No site de uma “conferência apostólica” ocorrida há
alguns anos, narraram a seguinte declaração de um apóstolo contemporâneo: “A
segunda noite de mover apostólico invadiu os milhares de corações presentes
nesta segunda noite de Conferência Apostólica 2006. Com a ministração especial
do Apóstolo Cesar Augusto a respeito do “Ser Apostólico”, todos ficaram
impactados com mais esta revelação vinda direto do altar do Senhor para seus
corações. Ser Apostólico é valorizar a presença de Deus, é ser fiel, é crer que
Deus pode transformar, é ter uma unção especial para conquistar o melhor da
terra e, por fim, é crer que Deus age hoje em nossas vidas. [...] Todos saíram
do Ginásio impactados por esta revelação, saíram todos apostólicos prontos para
conquistar o Brasil e o mundo para Jesus.”
Peter Wagner, um defensor do apostolado
contemporâneo, define o dom de apóstolo nos dias de hoje da seguinte forma: “O
dom de apóstolo é uma habilidade especial que Deus concede a certos membros do
corpo de Cristo, para assumirem e exercerem liderança sobre um certo número de
igrejas com uma autoridade extraordinária em assuntos espirituais que é
espontaneamente reconhecida e apreciada por estas igrejas. A palavra chave
nesta definição é AUTORIDADE, pois isto nos ajuda a evitar um erro muito comum
que as pessoas fazem ao confundirem o dom do apóstolo com o dom de
missionário.”
Com estas declarações, podemos deduzir logicamente
duas coisas: Ou o ministério apostólico contemporâneo é uma realidade na Igreja
nos últimos dias, ou estamos diante de uma grande distorção bíblica, na qual
precisa ser rejeitada e combatida urgentemente. Se a primeira hipótese estiver
correta, então obviamente não devemos questioná-los, além de aceitar como
verdade de Deus tudo o que vier dos mesmos. Caso contrário, resta-nos rejeitar
totalmente as palavras e as reivindicações proféticas destes apóstolos
contemporâneos por serem antibíblicas.
Para ter plena certeza do que se trata, não existe
alternativa a não ser partir para a análise bíblica, pois a Palavra de Deus é a
nossa única regra de fé e conduta, base normativa absoluta para toda e qualquer
doutrina. Portanto, da mesma forma que os bereianos de Atos 17:11 fizeram quando
receberam as palavras do Apóstolo Paulo, devemos também analisar esta questão
sob à luz das escrituras.
A primeira pergunta que devemos fazer é: existem
apóstolos nos dias de hoje? Para chegar à resposta, primeiramente precisamos
entender quem foi os apóstolos na igreja primitiva. Para tanto, é necessário
verificar o fator etimológico da palavra Apóstolo. Biblicamente, esta palavra
significa “enviado, mensageiro, alguém enviado com ordens” (grego = apostolos),
é utilizada no Novo Testamento em dois sentidos: 1º – Majoritariamente de forma
técnica e restrita aos apóstolos escolhidos diretamente por Cristo; 2ª – Em
sentido amplo, para casos de pessoas que foram enviadas para uma obra especial.
Neste último, a palavra utilizada provém da correlação verbal do substantivo “apóstolo”
e o verbo em grego “enviar” (grego = apostello).[3] Das 81 vezes
que a palavra apóstolo e suas derivações aparecem no texto grego do Novo
Testamento, 73 vezes é utilizada no sentido restrito ao grupo seleto dos 12
apóstolos de Cristo, apenas 7 vezes no sentido amplo (Jo 13:16, 2Co 8:23, Gl
1:19, Fl 2:25, At 14:4 e 14, Rm 16:7) e uma vez para Jesus Cristo em Hb 3:1.
Podemos perceber que, em tese, qualquer pessoa que
é “enviada” para um trabalho missionário é um apóstolo. Porém, os problemas
aparecem quando alguém propõe para si a utilização do termo no sentido restrito
ao ofício de apóstolo.
Biblicamente, havia duas qualificações específicas
para o apostolado no sentido restrito: 1ª – Ser testemunha ocular de Jesus
ressurreto (Atos 1:2-3, 1:21-22, 4:33 e 9:1-6; 1Co 9:1 e 15:7-9); 2º – Ter
recebido sua comissão apostólica diretamente de Jesus (Mt 10:1-7, Mc. 3:14, Lc
6:13-16, At 1:21-26, Gl 1:1 e 1:11-12 ). Este fato leva-nos a questionar: quem
comissionou os apóstolos contemporâneos?
Depois da ressurreição, Jesus apareceu para os
apóstolos comissionados por ele próprio e também para várias pessoas, sendo
Paulo o último a vê-lo: “Depois foi visto por Tiago, mais tarde, por todos
os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um
nascido fora de tempo. Porque eu sou o menor dos apóstolos…” (1Co 15:7-9).
No grego, as palavras “depois de todos” é eschaton de pantwn, que
significa literalmente “por último de todos”.
Paulo foi o último apóstolo comissionado por Jesus
(At 9:1-6). Posteriormente, não encontramos base bíblica para afirmar que
exista uma sucessão ou restauração ministerial de apóstolos. Todas as
tentativas para justificar uma suposta restauração do ofício apostólico nos
dias de hoje, partiram de interpretações alegóricas, isoladas e equivocadas de
textos bíblicos.[6] Na história da igreja, não temos nenhum grande líder
utilizando para si o título de apóstolo. Papias e Policarpo, que eram
discípulos dos apóstolos e viveram logo após o ministério apostólico, não
utilizaram esse título. Nem mesmo grandes teólogos e pregadores da história
como Agostinho, Calvino, Lutero, Wesley, Whitefield, Spurgeon – entre tantos
outros, utilizaram para si o título de apóstolo.
Os apóstolos tiveram um papel fundamental para o
estabelecimento da Igreja. Nesta construção, Jesus foi a pedra angular e o
fundamento foi posto pelos apóstolos e profetas, conforme descrito em Efésios
2:19-20: “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos
santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos
e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. Esta passagem
é o contexto direto de Efésios 4:11“E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos,
outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e
mestres”. Ora, se já temos o alicerce pronto, qual a necessidade de
construí-lo novamente? Na verdade não há possibilidade, pois tudo o que vier
posteriormente deverá ser estabelecido sobre esta base, conforme alertado pelo
apóstolo Paulo: “Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o
fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porém cada um
veja como edifica. Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi
posto, o qual é Jesus Cristo.” (1Co 3:10-11)
Como fundamento da Igreja, os apóstolos possuíam
plena autoridade dada pelo próprio Jesus Cristo para designar suas palavras
como Palavra de Deus para a igreja em matéria de fé e prática. Através desta
autoridade apostólica mediante o Espírito Santo é que temos hoje o que
conhecemos como cânon do Novo Testamento, escritos pelos apóstolos. Além disso,
faziam parte das credenciais dos apóstolos: operar milagres e sinais
extraordinários como curas de surdos, aleijados, cegos, paralíticos, deformidades
físicas, ressurreições de mortos etc. (2Co 12:12). Eu creio que Deus opera
curas em resposta à orações conforme a vontade soberana d’Ele, porém não creio
que as mesmas aconteçam através do comando verbal de novos apóstolos, da mesma
forma que era feito pelos apóstolos na igreja primitiva de forma
extraordinária.
Outro grande problema que encontramos no título de
apóstolo nos dias de hoje é que, automaticamente as pessoas associam o termo
aos 12 apóstolos de Jesus. Quem lê o Novo Testamento, identifica a grande
autoridade atribuída ao ofício de apóstolo e consequentemente esta autoridade
será ligada aos contemporâneos. Quem reivindica o título de apóstolo,
biblicamente está tomando para si os mesmos ofícios dos apóstolos comissionados
por Jesus, colocando as próprias palavras proferidas ou escritas em pé de
igualdade e autoridade dos autores do Novo Testamento. Afinal, os apóstolos
tinham autoridade para receber revelações diretas de Deus e escrevê-las para o
uso da Igreja. Se admitirmos que existam “novos apóstolos”, devemos assumir que
a Bíblia é insuficiente e que as palavras dos contemporâneos são canônicas, o
que é absolutamente impossível e antibíblico!
Não podemos deixar de citar o festival de
misticismo antibíblico praticado por muitos apóstolos contemporâneos, tais
como: atos proféticos, novas unções, revelações extrabíblicas, maniqueísmo,
manipulação e coronelização da fé através do conceito “não toqueis nos
ungidos”, judaização do evangelho etc. Além disso, o próprio modo de vida deles
mostra o oposto dos originais, os apóstolos de Cristo tiveram vida humilde,
foram presos, açoitados, humilhados e todos (com excessão de Judas Iscariotes
que suicidou-se e João que teve morte natural) morreram martirizados por
pregarem o evangelho. Ao contrário disso, os contemporâneos vivem uma vida com
patrimônios milionários, conforto e prosperidade financeira. Quando sofrem
algum tipo de “perseguição”, as mesmas são decorrentes à contravenções penais
com a justiça.
Após esta breve análise, concluo que não há
apóstolos hoje! O apostolado contemporâneo é uma distorção bíblica gravíssima
que reivindica autoridade extrabíblica, da mesma forma que a sucessão
apostólica da Igreja católica romana e os Mórmons. Por isso, devemos rejeitar a
“restauração” do ofício apostólico, pois os apóstolos contemporâneos não se
encaixam nos padrões bíblicos que validam o apostolado, bem como não existe
base bíblica que autorize tal restauração.
Ruy Marinho
Sola Scriptura!